terça-feira, 29 de novembro de 2011

Tu és o tudo e o nada dos dias.
Nas tuas mãos o vento e todas as coisas vivas do universo.
Criaste a chuva e a manhã.
Revoltaste os ventos do norte e seguiste na tempestade fulminante.
Tu és o tudo e o nada dos dias.
Ao teu lado caminham os espíritos do entardecer.
E as feras da escuridão não te alcançam.
De ti cresce o caos e a harmonia.
E os que se cruzam contigo. E te olham e contemplam a tua imagem seguem alheios à grandeza de tal contemplação.
E tu nada lhes dás e nada lhes tiras.
De ti fluem nove rios com nove correntes. E os teus pés nunca se cansam.
Caminhas em silêncio, porque o tempo urge e sabes que as palavras por vezes lançam sementes que germinam em tragédias.
Tu és o tudo e o nada dos dias.
Nos teus olhos ardem as fogueiras das noites frias ancestrais.
O teu corpo forte e sem medo carrega o peso de um mundo que um dia desabou sobre ti.
Lês os sinais das estrelas e adivinhas na dança das folhas mortas a imortalidade dos ciclos.
Tu és o tudo e o nada dos dias.
Nos teus braços envolves o todo num tabuleiro de xadrez e a tua música nunca cessa.
Corres pelo espaço aberto dos campos desertos e espalhas o dia e a noite. E com eles acendes faíscas de gelo num mar de luz e trevas.
E na ponta dos teus dedos agitam-se milhões de trovoadas.
Tu és o tudo e o nada dos dias.
Na tua pele embalas a solidão num sono profundo.
Golpeias sem receio a carne crua das sombras apocalípticas erguidas em agonia.
E sabes, sem ninguém ter-te contado, que há estátuas de pedra que choram na escuridão tumular.
E escondes-te por detrás do ténue véu que separa o sangue da água.
E os que param e, cegos e sedentos de respostas, te confrontam, não os compreendes.
Tu és o tudo e nada dos dias.
À tua passagem extinguem-se as chamas de todas as velas.
E por ti ergue-se um altar sem nome.

sábado, 26 de novembro de 2011

Quantas vidas cabem numa vida?
Eu diria que cabem imensas.
Cabem quantas vidas surgirem no nosso caminho e quantas dessas nós estivermos dispostos a enfrentar.
Há uma nova vida em cada emoção. Em que cada mudança de humor. Em cada conquista.
Um dia somos a pessoa que se encerra totalmente do mundo desejando que toda a gente á sua volta se extinga de repente.
Outro dia somos a pessoa que implora para que alguém repare em si. Para que alguém diga alguma coisa. Para que alguém ofereça algum conforto.
Um dia somos a pessoa que tem medo do escuro.
No outro dia somos quem apaga as luzes.
Será possível viver vidas que se contradigam umas às outras?
Será possível não manter um padrão de comportamento?
Será possível continuar em frente ignorando os fragmentos das vidas passadas que vão ficando atrás de nós?
Eu diria que sim.
Alguns desses fragmentos provavelmente ainda permanecerão agarrados a nós por algum tempo, teremos que continuar a andar até que eles caiam completamente.
Alguns eventualmente não cairão.
Esses,teremos que aprender a cobri-los. A escondê-los. A soterrá-los.
Assumiremos então que eles farão parte da nossa bagagem ao longo da nossa viagem. E, assim, vamos guardando-os na parte mais recôndita e vamos colocando novas coisas sobre eles.
Somos usados, mas novos.
Sempre novos. Quantas vezes ousarmos sê-lo.
Fazemos o que for preciso.
Esperamos que com o pó dos dias os fragmentos das vidas passadas sem dissolvam.
E continuamos.
Não acontece de um dia para o outro.
A mudança leva tempo, já sabemos.
Temos que ser pacientes e esperar que a velha pele caia por completo, até podermos ostentar com brio a nova pele.
É uma metamorfose.
Temos que esperar pela altura certa, como as larvas esperam todo o inverno no seus casulos até à chegada da primavera para surgirem como lindas borboletas.
Aceitar e enfrentar cada nova vida que escolhemos é ter a noção de que temos que passar pelo processo da metamorfose.
Quantas vidas cabem numa vida?
Depende de nós. Da nossa coragem e aceitação de que tudo vem e tudo vai.
De que ao fim de algum tempo temos sempre que deixar a nossa pele velha cair.
Aceitar que durante esse processo podemos estar mais vulneráveis enquanto a nova pele ganha crosta. Mas que isso não nos faz necessariamente mais fracos, apenas seres em transição.
E é nessa transição que arranjamos escudos para nos protegermos na fase seguinte.

quinta-feira, 24 de novembro de 2011

Quando tinha 16 anos o que mais desejava era ser invisível.
Queira tanto ser invisível que marquei o meu suicídio para o dia em que completasse 17 anos.
(A sério?)
Tinha tudo programado…dia…hora…local…e claro a forma como me suicidaria…
(que tonta…)
Não me lembro exactamente do que me fez mudar de ideias na altura.
Creio que foi algo tão insignificante como o que me fez ter a ideia em primeira instância.
Na altura eu apenas sabia uma coisa.
Ou pelo menos julgava saber.
Sabia que a minha existência era ridícula.

 Houve muitas outras alturas em que me quis suicidar.
Não com dias marcados nem nada disso, mas sei que em diversas situações eu não quis mais viver.

Não, eu hoje já não penso assim.
Não sei se isso faça de mim uma pessoa melhor ou pior.
Simplesmente hoje gosto de viver.
Hoje finalmente posso dizer que GOSTO de viver.
Que GOSTO de mim.
E acho que nunca tinha sentido isso.
Não que eu tenha “melhorado” enquanto pessoa ou na aparência.
Apenas mudei a minha forma de me encarar.
Percebi que não temos que andar mortos antes de morrer.
A morte há-de vir.
E, desenganem-se…ela virá…
Percebi que não há necessidade nenhuma de sermos mártires de nós mesmos.
Um dia de cada vez…o caminho faz-se.
Não temos que ter objectivos tão grandes que tudo pareça tão impossível de alcançar.
Não temos que ter “role models”, que nos façam sentir sempre uns falhados.
Cada pessoa é diferente. E pronto.
Fazer da vida uma competição com alguém. Ou redesenharmo-nos á imagem de outra pessoa só nos condenará a um descontentamento diário.
E a nossa visão das coisas é sempre distorcida.
Percebi que nos esforçamos demasiado.
E quanto mais nos esforçamos mais tragédia cai sobre nós.
E eu antes não sabia disso.
Pensava que o mundo estava todo contra mim.
Que era um fardo viver. E,por conseguinte, nada fazia sentido.
E eu não sabia que apenas tinha que mudar a minha perspectiva de ver o mundo.