domingo, 11 de maio de 2014

Efervescência


Algures no vácuo do tempo 
ficam os dias que eu não
vivi. Os dias presos 
numa anomalia dolorosa.
Algures entre o que passou
Fica o que eu não fui.
A existência inócua da realidade.
Por entre as pinceladas do
passado e do presente, há
um quadro por pintar.
Exposto num corredor longínquo
de uma galeria desconhecida.
E eu sou o pintor que nunca
pintou.
Sou a obra que nunca 
saiu da imaginação do artista cego.
Por entre tudo o que sou 
Eu sou tudo o que não sou.
Sou a voz enfurecida que 
clama num silêncio morto
Calma na calada da noite caindo.
Não sei para onde caminham 
os meus passos.
Ás vezes, em murmúrios,
Sinto-me em busca de uma fé
estranha.
Estranha para quem não 
quer crer no que está à sua volta.
Viro-me para os céus 
E aos céus brado.
Busco uma luz . Uma resposta. 
Como um prisioneiro inerte
no fundo de uma
jaula que um dia é liberto
e contempla a luz
pela primeira vez.
"...Eu era cego, e agora vejo..." 
Vejo...vejo
sem realmente ver.
Acordo de um pesadelo 
e nunca adormeci.
Para onde vamos quando nos sentimos perdidos?
Que fé é esta que nos sustém mesmo
na corda bamba? 
"...Poderão cair mil ao teu lado..."
Eu sento-me aqui nesta
rocha no ponto mais alto 
de onde se avista o longe e tudo
Eu sento - me e absorvo 
a génese.
O fim e o princípio de cada
vida. Eu sou todos aqueles 
que se sentaram nesta rocha  
e observaram mais alto e mais longe.
Eu sou os olhos 
e as pernas de todas 
as crianças que aqui
 brincaram. Eu sou a liberdade.
Eu sou tudo. Também
vezes há em que sou nada.
Se sou dia. Ás vezes 
sou apenas noite.
Sou o declínio. Sou a renovação.
Tenho em mim o sangue 
de todas as gerações 
que me antecederam.
Dói em mim a sua luta.
Dói em mim os seus corpos 
cansados.
Caem-me lágrimas de 
uma nostalgia absurda.
Saudade de um tempo
antes de mim.
Memórias do que nunca
vivi.
Ás vezes eu sou o tempo
que fugazmente nos
tira tudo.
E estou em toda a parte.  
E não sei de mim.